Já Era Uma Vez - Branca de Neve
Coluna semanal da Liga dos Autores Free
Escrita por Ales de Lara
Ilustrada por Atlan Coelho
Branca de neve
Branca de neve sem dúvida é uma mulher amaldiçoada. Não por
uma bruxa, mas por seu destino. Nascera já sob o manto do azar. Órfã de mãe,
mais tarde órfã de pai, com uma madrasta odiosa, uma vida cruel e suja cercada
de desgraças e traições. Uma história contada completamente dissimulada do
verdadeiro acontecimento, pois tamanha é a crueldade dessa história. Uma mulher
nascida para sofrer. Nascida predestinada a morrer e ressurgir. A morte seria
sua salvação. Mas assim como no mundo real, no mundo da fantasia não existem
finais felizes. O “felizes para sempre” é uma forma de enganar as fracas almas
do mundo real. Mas vamos começar pelo começo.
Era uma vez uma linda mulher afortunada. Rica, casada com um
bom homem, com uma bela casa e com um neném em seu ventre. Como todos os casais
antigos, ansiavam pela chegada de um menino. Viviam felizes, perto da floresta,
cercados de pássaros e belos animais. Os meses passaram e o inverno chegou
cobrindo os campos de uma grossa camada de neve. Finalmente, para alegria da
família, chegara a hora do bebê nascer. Mas algo deu errado. O momento abençoado
se tornou um momento de dor e pavor. A mãe gritava desesperadamente enquanto
seu ventre jorrava sangue por todo o quarto. Parteiras e empregados corriam de
um lado a outro com baldes de água quente e panos empapados de sangue. Assim
que o neném finalmente nascerá, após horas de um suplicio doloroso, a jovem mãe
dera seu último suspiro e morrera sem nem ver a criança. O choro do neném se
tornou insuportável aos ouvidos do pai, que olhava perplexo a amada morta na
cama, conservada para sempre na mais tenra idade. Como se isso não bastasse, a
parteira anunciava em voz alta que o bebê desafortunado era uma menina. Uma
menina – pensou o homem, enquanto observava a neve que caia ao lado de fora da
janela. Assim como a neve mata as plantas que cobre ao cair, aquele neném havia
matado sua mãe ao nascer. Se chamaria então Branca de Neve, para que ele nunca
se esquecesse que algo tão belo poderia ser também algo mortal. Assim começa a
vida de uma criança cujo o destino não poderia ser mais cruel.
O tempo foi passando. O gelo derreterá e congelara muitas
vezes depois disso. A menina foi crescendo, com o pai sempre ausente,
atormentado pelas lembranças de seu nascimento. Como uma medida desesperada o
homem casou-se de novo, sem amor, apenas para que a criança tivesse alguém que
cuidasse dela como ele nunca faria. Como tal casamento não era sincero, a nova
mulher vivia em tristeza e arrependimento. Se via na obrigação de criar uma criança
que não era sua e sabia que jamais teria seu próprio filho, pois seu homem não
a desejava como mulher. Vivendo amargurada e cheia de rancor passou a desprezar
fortemente a menina. Logo o destino se encarregou de tornar a história mais
trágica e o homem morreu ao despencar de um abismo com sua carruagem. A quem
diga que foram os cavalos que escorregaram na lama molhada da pós-neve. A quem
diga que foi o mal em pessoa que empurrou a carruagem abismo abaixo. O fato é
que naquela grande casa sobraram apenas os criados, a madrasta e Branca de
neve.
Mais tempo se passou e Branca de Neve se tornou uma bela
donzela, de seios fartos e boca carnuda. Ela era muito cortejada e admirada,
galanteada por todos do reino. Os homens brigavam só pela ideia de tê-la.
Enquanto isso a madrasta continuava viúva, sem pretendentes, sem cortejos,
alimentado o rancor, o ódio e principalmente sua inveja de Branca de Neve.
Decidiu que merecia uma nova chance de ser feliz, que merecia começar de novo.
Decidiu mata-la. Contratou o bárbaro mais cruel daquelas terras e pediu para
que lhe arrancasse o coração ainda viva, como uma forma de fazê-la entender
como ela mesma se sentia. O bárbaro foi então ao encontro de Branca de Neve que
se encontrava admirando as belezas de seu jardim em uma tarde de primavera. Mas
a bela garota era tão linda que seria um desperdício mata-la sem concedê-la o
direito do prazer carnal primeiro. Tentado por seu belo corpo, o bárbaro não
quis mata-la de imediato e arrastou-a pelo cabelo para dentro da floresta.
Desejava seu corpo, sentia seu membro atiçar a cada grito e gemido de pavor da pobre
garota. Ardia em desejo. Lançou-a sobre as raízes de uma grande árvore e
abaixou suas calças para que pudesse usufruir daquele corpo jovem, limpo,
macio. Um pequeno lampejo de sorte pairou sobre Branca de Neve e dois lobos
famintos correram na direção dela e do bárbaro. Porem, mesmo de saias, Branca
de Neve foi capas de correr mais rápido que o bárbaro de calças arriadas. E o
bárbaro se tornou um belo banquete para os lobos. Cheio de carne, após pega-lo
eles esqueceram completamente dela. Branca aproveitou para correr o mais rápido
que pode, mas não percebeu que ia cada vez mais em direção ao centro da floresta.
Quando parou de correr estava completamente perdida. Desmaiou de cansaço sobre as
folhas da floresta e lá adormeceu. Despertou ao sentir o sol quente queimando
lhe o rosto. Abriu os olhos e viu sete homens em sua volta. Eram homens muito
menores que os homens normais, com os dentes completamente podres (os que ainda
tinham dentes) e cobertos por uma grossa camada de terra. Branca pensou em
correr, mas percebeu que suas mãos e pés estavam amarrados. Os anões a olhavam
e riam, alguns babavam sobre ela. Um deles disse –finalmente alguém para cuidar
de nós. Sabe, anões não são muito populares e não estão acostumados a galantear
e ser galanteados. Anões que trabalham em minas, sem cuidados ou higiene, sujos
de terra, muito menos. –Será nossa esposa- disse um deles e todos riram enquanto
a puxavam para dentro de uma enorme caverna.
Aqueles anões eram mais sedentos por prazer carnal do que o
bárbaro. Nenhum deles nunca havia experimentado o corpo de uma mulher e eles
mal podiam esperar para começar. Um por um, ele rasgaram suas vestes, a
molestaram e violentaram repedidas vezes. Sua inocência e sua pureza foram
arrancadas dela com tamanha voracidade que seu corpo sangrou e ardeu por dias.
Foi obrigada a cozinhar, a limpar a caverna e servi-los sexualmente por muito
tempo. Sempre que saiam para trabalhar trancavam-na lá dentro com uma enorme
pedra. Todos os seus esforços de empurrar tal pedra eram em vão. Por mais que
ela tentasse a pedra parecia não se mover nem um único centímetro. No começo,
quando era violentada, gritava tão forte que achava que seus pulmões iriam
explodir. Mas com o tempo, vendo serem inúteis seus esforços para alguém
ouvi-la, acabou por desistir e se trancou em mundo imaginário dentro de sua
cabeça. Passou a ser violentada na mais completa imobilidade, mantinha sua alma
longe daqueles atos cruéis. Branca não sabia, mas havia mais alguém que morava
na floresta. Uma velha bruxa ouvira os gritos de pavor e angústia que branca
soltava durante tais atos e resolveu ajuda-la. Passou meses preparando uma
poção para mata-la. Afinal, a morte não poderia ser pior que aquilo. Com o
silêncio dos meses seguintes a bruxa teve ainda mais certeza que a pobre garota
iria preferir a morte. A poção finalmente ficou pronta e a bruxa colocou a mais
bela maça, que encontrou na floresta, dentro dela. Esperou até que a maça absorvesse
todo o veneno de sua poção e o caldeirão se secasse. Então foi até a porta da caverna
e esperou camuflada entre as árvores. Quando os anões saíram no dia seguinte
para ir para a mina, a bruxa arremessou a maça para dentro da caverna, antes
que eles a selassem com a pedra. E esperou até que os anões já não pudessem
mais ser vistos. Se aproximou da porta e chamou pela moça que lá vivia. Branca
escutou o chamado, se aproximou da porta de pedra e respondeu muito baixo, pois
já não havia forças e voz dentro dela. A bruxa explicou que envenenara a maça e
que se ela quisesse poderia escapar de tudo isso. Explicou que escutava branca
sendo maltratada e que não poderia suportar tais atos contra uma mulher. Disse
também que a maça continha um veneno, mas que tal veneno tinha um ponto fraco. Disse
que sua morte não seria verdadeira, que o veneno era apenas paralisante e que
ela ficaria engasgada com a maça, porem se alguém tirasse o pedaço de maça de
sua boca, voltaria a respirar e estaria viva de novo. Pediu para que se ela
comece a maça não contasse a ninguém sobre a falha no feitiço.
Branca de neve não pensou duas vezes e deu a maior mordida
que podia na maça. Caiu dura no chão quase que instantaneamente. Quando os
anões chegaram ficaram muito decepcionados com aquela cena. Acharam que depois
de um longo dia de trabalho se deliciariam naquele corpo macio e quente. Mas
aquele corpo não parecia mais macio, muito menos quente. Decidiram então
enterra-la, antes que começasse a feder. Um dos anões disse Já está muito escuro e estou muito cansado
para cavar. Vamos leva-la para longe e deixa-la para os lobos-. Os demais
consentiram e todos se mobilizaram pra arrasta-la para o mais longe possível de
sua caverna. Lá a deixaram. Mais uma vez Branca teve um pequeno lampejo de sorte
e nenhum lobo apareceu naquela noite (se tivessem aparecido ela teria sido
devorada viva, apesar da aparência moribunda). No dia seguinte um pobre
camponês achou a menina “morta” na beira da floresta. Existe algo de errado nos
homens do mundo da fantasia, pois alguns deles parecem ter certa queda pela
necrofilia. O camponês abaixou-se e beijou branca semimorta no chão. Com a
língua, completamente sem querer, arrancou de dentro da boca de branca o pedaço
de maça engasgado. No mesmo segundo ela voltou à vida. O camponês constrangido
do que fez, convidou branca para morar com ele e se tornar sua esposa. Branca de
Neve nunca poderia voltar para sua casa, pois sua madrasta tentaria mata-la
novamente. Branca não podia nem lembrar o que aconteceu na caverna sem sentir
seus pelos arrepiarem de pavor. Decidiu então que seu futuro nunca poderia ser
mais cruel que seu passado e aceitou a oferta do camponês. E eles viveram
felizes para sempre (ou quase isso).